terça-feira, 24 de setembro de 2013

Arigato Ozu


Um tempo que pára nestes quadros cheios de delicadeza e singeleza. Uma viagem à nossa história comum, a família, e ao interior de nós próprios, a solidão.
Um gosto intenso, inebriante, que perdura...

até ao abismo da nossa verdade inevitável.

Vale muito a pena viver e saborear: Viagem a Tóquio & O Gosto do Saké

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Anaïs & June & Henry

Leio as cartas de amor entre Henry Miller e Anaïs Nin. A tamanha densidade e intensidade das palavras destes amantes choca-me, fascina-me, transporta-me para uma belle époque tardia, de seres humanos que não queriam ser perfeitos, nem se pretendiam encaixar em verdades sociais ou literárias. O triângulo circular visceral Henry-June-Anaïs-Henry ilustra essa liberdade isenta de moralidade ou consciência. É na intimidade dessa correspondência fervorosa, escrita a sangue pulsante, que muitas questões artísticas se erguem, debatem, florescem. A vida deveria ser vivida com mais essência.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

...de viagens



Já não viajo só há três anos. Antes, viajei com amigos, amores, mas sobretudo comigo. Comecei em Florença - atravessei algum continente americano - e acabei em Amesterdão. A um dia de partida para mais uma viagem,  encontro este poema resgatado desses tempos:

Papiermolensluis
– Sapatos Novos-

 









Amsterdam. Anne Frank.
Sofás do hotel do António(?)
Sex    sex       sex   every where    and       body.
Um sótão de profundo amor – esperança.
Onde estará o amor?
Nas montras.
No passageiro de olhos negros.
Ao meu lado, no comboio.
Cannabis – cogumelos – Cannabis.
O trio de alegria pela manhã.
Tulips.
Fun canal cruise.
Rent a bike!
Kundst.        xxx
Desespero em mijo antigo.
Skol    skol    skol    skol...
I drink milk, please.
Yo quiero amarte.
Yo no busco a nadie.
Amo em flamengo.
Só existem os momentos.
Calço os sapatos novos.

Virgínia Silva
Amsterdam, 7 de Maio 2006

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Dar à luz

Uma pessoa tem de acreditar plenamente no que está a fazer, compreender que é o melhor que pode fazer naquele momento - esquecer a perfeição agora e sempre! - e aceitar as consequências que advêm de dar à luz. Somos sempre o nosso melhor crítico. Progresso (uma palavra má), realização (o papão de Cézanne), mestria (o objectivo do conhecedor), estas coisas alcançam-se, como todos sabem, graças a um esforço contínuo, graças ao trabalho e à luta, graças à reflexão, meditação, auto-análise e, acima de tudo, sendo escrupulosos e implacavelmente honestos connosco mesmos. A quem reclama que não é compreendido, apreciado, aceite - quantos de nós verdadeiramente o somos? - a única coisa que tenho a dizer é o seguinte: Clarifique a sua posição!
(...)
Serve a vida e serás sustido.
(...)
A arte é um processo curativo, como salientou Nietzsche. Mas principalmente para quem a ela se dedica. As pessoas escrevem para se conhecerem e, desta forma, virem talvez a libertar-se do eu. É este o propósito divino da arte.


Hoje li a última página do livro O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch e sei - tenho a certeza - que a minha cura são os livros. Os livros não me transportam apenas para lugares físicos que quero encontrar, a personagens com as quais vivo paixões de papel intensas, como também me levam às intimidades que procuro conhecer. Livros que contêm palavras como estas de Henry Miller, livros que me salvaram de escuridões em mim mesma e fizeram com que eu visse a luz.

Foto: I woke up dreaming


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os milagres do quotidiano

Chega uma altura na vida de toda a gente em que se medita no significado da palavra coincidência. Se enfrentarmos a questão corajosamente, uma vez que é algo perturbador, somo forçados a admitir que a casualidade não é resposta. Se usarmos a palavra predestinação, sentimo-nos derrotados. E com razão. É só porque o homem nasce livre que estas conjugações misteriosas de tempo, lugar e evento podem acontecer. Nos horóscopos dos homens e das mulheres marcados pelo destino observamos que meros incidentes tornam-se acontecimentos profundamente significativos. Talvez por estes indivíduos conseguirem aperceber-se mais do seu potencial do que os comuns mortais, a correlação entre interior e exterior, micro e macro, é impressionante e clara como a água.
Ao debatermo-nos com o mistério do acaso, talvez sejamos incapazes de encontrar uma explicação adequada,  mas é inegável que nos apercebemos das leis que estão para além do entendimento humano. Quanto mais conscientes nos tornamos, mais entendemos haver uma relação entre a vida correta e a boa sorte. Se aprofundarmos a questão o suficiente, apercebemo-nos que a sorte não é boa nem má, que o que interessa é a forma que lidamos com a (boa ou má) sorte. Costuma dizer-se que "contra má sorte, coração forte". Está implícito neste adágio que não somos igualmente favorecidos ou desfavorecidos pelos deuses.
(...)
Todos os dias somos confrontados com provas das interligações vastas e extremamente complexas entre os acontecimentos que comandam as nossas vidas e as forças que regem o universo. O medo que sentimos de questionarmos e seguirmos os lampejos de compreensão que estas provas criam, deve-se ao facto de podermos vir a saber o que nos acontecerá. A única coisa que temos a certeza desde que nascemos é de que morremos. Mas até isso nos é difícil aceitar, apesar de ser garantido.

in O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch, de Henry Miller

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Deixa-te estar sentado e vê o mundo a passar

A primeira coisa que reparamos quando começamos a examinar algo tão misterioso como a sorte é o facto (e é um facto estupendo) de não haver nem principio nem fim. Tudo está interligado e é uno. Quando juntamos as peças, como num quebra-cabeças, o bom e o mau parecem igualmente o papel da sorte. As ninharias, em particular, assumem uma importância completamente desproporcionada às suas dimensões e peso. Tudo se acerta e num grau que anula as presunções vãs do ego. (... ) Se li as estrelas, não foi para descobrir o que aconteceria amanhã, mas para confirmar o que estava a acontecer agora mesmo.
Deixa-te estar sentado e vê o mundo a passar!
Sim, mas como um equilibrista numa corda, não como uma lesma.

in O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch, de Henry Miller

De manhã tive estas palavras inspiradoras como companhia, transformando os meus vinte minutos no metro para a Maia, numa viagem anunciada de cristalizações intemporais.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A verdade na educação

Como é que se ensina as crianças a portarem-se bem? (Como deve ser, obviamente). Assim de repente poderá parecer que há apenas uma resposta: ensinar pelo exemplo. Mas quem já discutiu o tema sabe que este argumento é a última linha de defesa. A força do exemplo parece ser considerada uma técnica menor na estratégia da guerra quotidiana. É a resposta de um santo, não a de um pai cansado que não sabe o que fazer ou a de um professor. A meio de uma discussão interminável, de certeza que alguém nos diz que os santos não tinham filhos e que Jesus, que disse: "Deixai vir a mim as criancinhas, pois deles é o Reino do Céu", talvez tivesse dito outra coisa se soubesse o que são os chamados problemas domésticos. Por outras palavras, Jesus não sabia peva do que estava a dizer.
(...)
- Podemos gritar, ameaçar e castigar- observa ele - mas a verdade é que somos todos únicos, temos uma maneira de ser própria. Não vale a pena dizer "Não faças isto" ou "Não faças aquilo"; é melhor descobrirmos o que o leva a fazer isto e não aquilo. Não podemos forçar as pessoas, especialmente os pequenotes. Só podemos guiá-los. E isso é uma arte!
(...)
Tento transmitir-lhes a ideia de que a ignorância não é pecado. Sugiro até, cuidadosamente, claro, que há perguntas às quais ninguém sabe responder, nem sequer a mamã e Harrydick. Espero desta forma prepará-los para a revelação que certamente terão um dia, de que adquirir conhecimento é como morder um queijo que se torna maior a cada dentada que se dá. Espero também incutir-lhes a ideia que é melhor respondermos nós mesmos a uma pergunta do que pedir a alguém que nos dê a resposta. Mesmo que a nossa resposta esteja errada! Só nos concursos se obtêm as respostas "certas"... mas para que servem?
O abismo entre o conhecimento e a verdade é infinito. Os pais falam muito da verdade, mas raramente se dão ao trabalho de lidar com ela.

in O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch, de Henry Miller

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O meu tempo na (em) casa

Vivi nesta casa com os meus medos, frustrações,  com a minha Angústias. Com ela procurei no meu baú as recordações tatuadas a sangue interior, que pulsou sem encontrar um orifício de saída. Quis identificação, distância, aconchego, solidão. Ambicionei trazer dentro de mim a mágoa de ser mulher, com todas as batalhas ainda não travadas daquela época. 
O meu tempo na (em) casa foi um estender de laços fortes, quebráveis, bordados pelas mãos das irmãs encarceradas em sonhos, para lá das paredes brancas. Foram noites lindas, de ser outras, que ao cair a luz me devolvem àquela que conheço melhor.

terça-feira, 19 de março de 2013

Ao meu pai

Um tempo antes de morrer, o meu pai e eu vimos este filme juntos. Um filme dos Domingos do final dos anos 80, sobre uma infância cravada no coração, partilhada em todo o seu esplendor. Quatro amigos decidem ir em busca do corpo de um jovem desaparecido, atraídos pela aventura da viagem, por entre bosques e riachos, movidos pela descoberta da morte em si próprios. O meu pai, talvez pelo seu amigo das maçãs roubadas e dos pássaros feridos, que tinha adormecido tragicamente, talvez pela sua infância ainda demasiado viva ou pela vizinhança da sua morte, chorou ao som desta canção.

sábado, 9 de março de 2013

A casa Alba

A casa da família Alba existe em Valderubio, Granada e foi o cenário influente da peça mais (in)tensa de Garcia Lorca, provavelmente a melhor. Reza a história real, que a viúva que residia nesta casa mantinha as suas filhas sob uma constante tirania e secura. Imaginamos que, tal como as filhas da Casa de Bernarda Alba, a obra do dramaturgo e poeta andaluz, esta secura habitava o corpo e as ânsias das jovens da época.
Por detrás destas grades, podemos ver a Angústias de namoro tímido e contido com o seu noivo, Pepe Romano, bem como a avidez dos olhares das suas irmãs Martírio, Madalena e Amélia, todas a sofrer o desejo castrado atiçado pela sua figura varonil. E lá está também a Adela, a mais jovem, irreverente e fogosa das mulheres da casa, um espelho invertido da sua mãe, Bernarda Alba, a única força transgressora capaz de a enfrentar. A Adela, consumindo-se no amor que vive com noivo da irmã, rachando o bastão do poder, entrando no canavial por ele.
Uma casa alba, na sua figura de linhas rectas, simétricas, fechadas, onde a pureza reside na limpeza do parecer, que outrora deu impossibilidade ao ser. Lorca, que tanto escreveu sobre este frágil embuste, sobre o viço silencioso das raparigas solteitas da Andaluzia, emparedado por tradições enraizadas na religião e costumes da terra, completa o quadro desta alvura: à frente da casa eleva-se uma jovem árvore solitária, raro legado de vida nestas paragens.