quarta-feira, 28 de julho de 2010

Corazón porque no (me) amas...


En el borde de la vida y la muerte
nos vamos bailando la suerte
de este pobre corazón.

(...)
Subí a la sala del crímen, le pregunté al presidente
que si es delito quererte, que me sentencien a muerte
aa aay ¿corazón por qué no amas?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Pratos ou partos?

PRATOS VOADORES

Violentamente te encontro
em mim, descendo
em ausência
num jardim de Outono

Violentamente deixo
as agressões espelharem

A caligrafia
do teu medo
e de todos os pratos
onde voam dores

Violentamente
sou violada
pela música
do teu corpo

batendo contra o meu

pelo tambor enlouquecido
-que rasga dilacera liberta -

Violentamente
em assonância
aliteração
discrepância
além coração

e uma lua alta é cúmplice
do nosso crime.


PARTO

Estou num pântano
onde as flores de lótus
não vão florir

(algum sangue terá de abrigar esta loucura
algumas luas terão de mostrar o essencial)

enquanto houver palavras que nos ardem
espancam
os bosques são precisos

As luas não vão dizer
o teu nome duas vezes
em surpresa certificada.

Virgínia Silva 
Festival do Ruído, Barcelos, 26/7/2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

Ah...Vadinho!



Há personagens que são imortais. Têm tamanha vida que entram nos nossos sonhos, questionam as nossas certezas com a sua presença imponente, dormem connosco e despertam para além de nós. Assim é Vadinho. Nas páginas de Amado ele é ainda mais apaixonante do que no cinema. Vadinho, símbolo das nossas paixões secretas, do humano em estado selvagem, da força do desejo, do sangue indomável acima de qualquer convenção social ou moral. Vadinho vadio, para vadiar, Vadinho malandro, maldito, imoral para todos, Vadinho, o amor de Flor. Um amor puro, de quem ama com todas as imperfeições, um amor desinteressado, pois traz mais dor do que prazer: Como viver sem ele, como atravessar esse deserto, transpor esse crepúsculo, erguer-se desse pântano? Deus e o Diabo acabam por se reconciliar nos braços de Dona Flor. Quem de nós consegue tal proeza?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A tigela de madeira

[...]Era uma vez, no antigo país das fábulas, uma família em que havia um pai, uma mãe, um avô que era o pai do pai e aquela já mencionada criança de oito anos, um rapazinho. Ora sucedia que o avô já tinha muita idade, por isso tremiam-lhe as mãos e deixava cair a comida da boca quando estavam à mesa, o que causava grande irritação ao filho e à nora, sempre a dizerem-lhe que tivesse cuidado com o que fazia, mas o pobre velho, por mais que quisesse, não conseguia conter as tremuras, pior ainda se lhe ralhavam, e o resultado era estar sempre a sujar a toalha ou a deixar cair comida ao chão, para já não falar do guardanapo que lhe atavam ao pescoço e que era preciso mudar-lhe três vezes ao dia, ao almoço, ao jantar e à ceia. Estavam as coisas neste pé e sem nenhuma expectativa de melhora quando o filho resolveu acabar com a desagradável situação. Apareceu em casa com uma tigela de madeira e disse ao pai, A partir de hoje passará a comer daqui, senta-se na soleira da porta porque é mais fácil de limpar e assim já a sua nora não terá de preocupar-se com tantas toalhas e tantos guardanapos sujos. E assim foi. Almoço, jantar e ceia, o velho sentado sozinho na soleira da porta, levando a comida à boca conforme lhe era possível, metade perdia-se no caminho uma parte da outra metade escorria-lhe pelo queixo abaixo, não era muito o que lhe descia finalmente pelo que o vulgo chama o canal da sopa. Ao neto parecia não lhe importar o feio tratamento que estavam a dar ao avô, olhava-o, depois olhava o pai e a mãe, e continuava a comer como se não tivesse nada que ver com o caso. Até que uma tarde, ao regressar do trabalho, o pai viu o filho trabalhar com uma navalha um pedaço de madeira e julgou que, como era normal e corrente nessas épocas remotas, estivesse a construir um brinquedo por suas próprias mãos. No dia seguinte, porém, deu-se conta de que não se tratava de um carrinho, pelo menos não se vía sítio onde se lhe pudessem encaixar umas rodas, e então perguntou, Que estás a fazer. O rapaz fingiu que não tinha ouvido e continuou a escavar na madeira com a ponta da navalha, isto passou-se no tempo em que os pais eram menos assustadiços e não corriam a tirar das mãos dos filhos um instrumento de tanta utilidade para a fabricação de brinquedos. Não ouviste, que estás a fazer com esse pau, tornou o pai a perguntar, e o filho, sem levantar a vista da operação, respondeu, Estou a fazer uma tigela para quando o pai for velho e lhe tremerem as mãos, para quando o mandarem comer na soleira da porta, como fizeram ao avô. Foram palavras santas. Caíram as escamas dos olhos do pai, viu a verdade e a sua luz, e no mesmo instante foi pedir perdão ao progenitor e quando chegou a hora da ceia por suas próprias mãos o ajudou a sentar-se na cadeira, por suas próprias mãos lhe levou a colher à boca, por suas próprias mãos lhe limpou suavemente o queixo, porque ainda o podia fazer e seu querido pai já não. Do que veio a passar-se depois não há sinal na história, mas de ciência mui certa sabemos que se é verdade que o trabalho do rapazinho ficou em meio, também é verdade que o pedaço de madeira continua a andar por ali. Ninguém o quis queimar ou deitar fora, quer fosse para que a lição do exemplo não viesse a cair no esquecimento, quer fosse para o caso de que a alguém ocorresse um dia a ideia de terminar a obra, eventualidade não de todo impossível de produzir-se se tivermos em conta a enorme capacidade de sobrevivência dos ditos lados escuros da natureza humana. Como já alguém disse tudo o que possa suceder, sucederá, é uma mera questão de tempo, e, se não chegámos a vê-lo enquanto por cá andávamos, terá sido porque tínhamos vivido o suficiente. [...]

José Saramago, in As Intermitências da Morte