domingo, 29 de março de 2009

Palavras no Escuro

"O verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor."
Che Guevara

Volto ao Che, com quem adormecia e despertava em Coyoacán, Cidade do México. Durante um mês dormi na sala de Joselyn, uma das poucas mulheres mexicanas livres na sua condição, e a parede voltada para a minha cama, feita de sacos de areia, era ocupada por uma magnânima fotografia de Che. Era, sem dúvida, um homem belo e com um magnetismo e áurea tão intensa que aquela fotografia me acompanhava de verdade. Foi a partir de aí, e só de aí, muito por causa daquela fotografia, que me comecei a interessar mais pela sua vida e pelo seu impacto em todo o continente americano.
Che aparece em qualquer T-shirt vendida num mercado da América Latina e nos peitos de homens e mulheres um pouco por todo o mundo. Mas a maioria veste aquele homem sem nunca o ter pensado ou reflectido. Alguns sem saber muito bem quem era aquele barbudo de boné militar... tornou-se num mito, numa moda, num grito de Ipiranga, ou apenas numa necessidade ideológica, numa América "jodida" por todos os lados, com o seu sangue inscrito em cada cenário maravilhoso do seu solo. Não posso falar de Che ou da América de uma forma imparcial. Nem me interessa... a vida sem o fogo cá dentro não interessa.
Sim, era um guerrilheiro, talvez arrogante em determinada fase da sua vida, talvez com um sonho que se tornou numa obcessão egomaníaca... por muito que se diga sobre alguém, nunca o vamos saber completamente. Porque ninguém se deixa "saber" na totalidade, nem se conhece bem. Isso é dimínuir o ser humano e limitá-lo. O ser humano é muito mais complexo e extende-se por caminhos que exploramos a cada momento da nossa existência e das que virão.
No filme mais recente que saiu sobre ele, "Che - O Argentino", este surge como o verdadeiro homem de batalha, na selva, que matou e morreu pela sua causa. E há uma passagem no filme, no congresso americano, que me despertou. Che falava de política com sinceridade, expunha as suas ideias sem rodeios, apontando as "veias abertas da América Latina" - que os Estados Unidos têm ajudado a manter no mesmo estado de suicídio - sem pudor ou receio. Essa atitude falta-nos muito na política de hoje. O verdadeiro sentido da palavra desapareceu. O "todos" passou a ter objectivos muito mais mesquinhos. A distância entre o que se acredita e se pensa acreditar é muito maior e o ideal perde-se nessa estrada longínqua.
Falar de Che é também falar do mundo actual e na nossa constante vontade de contribuir para a sua mudança, para um bem estar maior. Continuo a acreditar que quanto melhor estiver, melhor estará o universo e vice-versa. E este vice-versa é importante.
Che foi um homem com o sonho de uma América unida, de um continente mestiço mais justo e humanizado para todos. Um tolo? Definitivamente. Mas o mundo sem tolos não se move e ele fez mover as calhas desta imensa roda com os seus "sentimentos de amor"...

... à fruição e discussão na próxima Quinta, dia 2 de Abril, 23h no Rosa Escura!

sexta-feira, 27 de março de 2009

N(u)a Lua

Murmúrio que não se ouve
numa gota de verdade
transformada
em rio

Voz que silencia
o sim que tudo ilumina

Ventre em flor
voltado para ti
no deserto da incerteza

Amor vieste.

Virgínia Silva

terça-feira, 24 de março de 2009

Put your hand on my face and talk to me...

"The real and the imagined are one. Thoughts are real, even thoughts of unreal things. Invisible stars, invisible sky. The sound of my breath, the sound of Katya's breath. Bedtime prayers, the rituals of childhood, the gravity of childhood. If I should die before I awake. How fast it all goes. Yesterday a child, today an old man, and from then until now, how many beats of the heart, how many breaths, how many words spoken and heard? Touch me, someone. Put your hand on my face and talk to me..."

August, in "Man in the dark" by Paul Auster

quinta-feira, 19 de março de 2009

Se o meu amor vier cedinho...

Ó Rua do Capelão
Juncada de rosmaninho
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
Que ele pisar no caminho

Há um degrau no meu leito,
Que é feito para ti somente
Amor, mas sobe com jeito
Se o meu coração te sente
Fica-me aos saltos no peito.

Tenho o destino marcado
Desde a hora em que te vi
Ó meu cigano adorado
Viver abraçada ao fado
Morrer abraçada a ti.

Fado Rua do Capelão, presença no meu coração e no de muitos... espero!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Vamos ao Cabaré!

"Ai esta terra ainda vai cumprir o seu ideal..."
Estreia hoje o "Cabaré da Santa", espectáculo que vi em Coimbra e do qual gostei muito. Claro que só o facto de estar relacionado com a temática Portugal/Brasil já é um motivo para o meu interesse ter despertado... mas é também uma performance cheia de humor e respeito por ambas as partes envolvidas. Fala-se de estereótipos brasileiros e lusitanos e de como esta relação de sangue/amor/saudade está enraizada na nossa história e na dos seus intervenientes.
Eu adoro pensar que, um dia, esta terra ainda vai tornar-se num imenso Carnaval... D.Pedro sabia o que estava fazendo!

segunda-feira, 16 de março de 2009

Talvez

Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.
Álvaro de Campos in "Opiário"

sexta-feira, 13 de março de 2009

Broken hearts

Betty morreu por causa de um coração partido. Há pessoas que se riem quando ouvem esta frase, mas isso é porque elas não sabem nada do mundo. As pessoas morrem de corações partidos. Acontece todos os dias e vai continuar a acontecer até ao fim dos tempos.

August, in "Man in the dark" by Paul Auster

Um dia o meu coração - de tanto se partir - também há-de parar.

quinta-feira, 12 de março de 2009

"Amor, guardo-me para ti."

Um aerograma é uma carta que se envia pelo correio, sem necessidade de sobrescrito.

Foi no dia das galerias de Miguel Bombarda que eu vi esta exposição que me deixou sem fôlego e com olhos turvos. Por mim, por quem me acompanhava, pelas palavras que invadiam as telas e nos ficavam no coração. São pinturas que acompanham cartas (ou cartas a acompanhar pinturas?) puras e cheias de tudo aquilo que podemos escrever quando a solidão e a morte se sentam à nossa mesa e velam o nosso sono desperto. São cartas de amor, de saudade, de coragem forçada que voaram entre Portugal e África numa época de idílio e martírio. Cartas dessa guerra que me trouxe um pai sempre com uma ausência na alma, ainda que cheio de sorrisos e doçura. Fantasmas que marcaram o nosso passado e ainda vivem entre nós...

Para ver e sentir: www.manuelbotelho.com

sexta-feira, 6 de março de 2009

O Dia Nasceu Feliz

O dia nasceu triste, cinzento e com chuva. Mas eu nasci feliz, apesar dos pesares, e este samba, tão cheio de consciência e sensibilidade me trouxe de volta o calor das almas gentis:


Partido Clementina de Jesus
(Candeia)

Não vadeia Clementina
Fui feita pra vadiar
Não vadeia, Clementina
Fui feita pra vadiar, eu vou...
Vou vadiar, vou vadiar, vou vadiar, eu vou
Vou vadiar, vou vadiar, vou vadiar, eu vou

Energia nuclear
O homem subiu à lua
É o que se ouve falar
Mas a fome continua

É o progresso, tia Clementina
Trouxe tanta confusão
Um litro de gasolina
Por cem gramas de feijão
Não vadeia, Clementina...

Cadê o cantar dos passarinhos
Ar puro não encontro mais não
É o preço que o progresso
Paga com a poluição

O homem é civilizado
A sociedade é que faz sua imagem
Mas tem muito diplomado
Que é pior do que selvagem

terça-feira, 3 de março de 2009

A VINTENA VADIA apresenta BOCA NA TERRA

Desta vez é mesmo a estreia!
Apareçam :)

Era uma vez…um casal de lavradores... um pescador... uma mulher... uma madrasta que tinha uma enteada muito linda que vivia numa pequena aldeia e tinha uma filha, que tinha uma filha... que tinha três filhas... que tinha muitos filhos.

Assim se dá início ao espectáculo, que percorre o universo dos contos populares e a magia do imaginário colectivo. Cada actor em cena tenta contar o seu conto e acrescentar-lhe pontos de referência, que o público organizará através de lugares comuns que vai identificando ao longo da teia de contos e personagens que vê surgirem à sua frente aparentemente sem ligação. Há sempre o universo rural e mais rude, embora puro, onde a violência impera com crianças a dançar ao som de vergastas e lobos que procuram as suas vítimas e o universo da realeza, povoado de reinos ilusórios, aos quais todos querem ascender. No entanto, tal como no quotidiano contemporâneo, este é também um mundo superficial e hipócrita onde tudo é passível de ser desdito e desfeito num congelar de personagens.