segunda-feira, 30 de julho de 2012

All Religions are One

The Voice of one crying in the Wilderness

The Argument
As the true method of knowledge is experiment, the true faculty of knowing must be the faculty which experiences. This faculty I treat of. 

Principle 1ST 
That the Poetic Genius is the true Man, and that the body or outward form of Man is derived from the Poetic Genius. Likewise that the forms of all things are derived from their Genius, which by the Ancients was call'd an Angel & Spirit & Demon. 

Principle 2ND 
As all men are alike in outward form, So (and with the same infinite variety) all are alike in the Poetic Genius. 

Principle 3RD
No man can think, write or speak from his heart, but he must intend truth. thus all sects of Philosophy are from the Poetic Genius adapted to the weaknesses of every individual. 

Principle 4TH
As none by travelling over known lands can find out the unknown, So from already acquired knowledge Man could not acquire more; therefore an universal Poetic genius exists. 

Principle 5TH
The Religions of all Nations are derived from each Nation's different reception of the Poetic Genius, which is every where call'd the Spirit of Prophecy. 

Principle 6TH
The Jewish & Christian Testaments are An original derivation from the Poetic Genius. This is necessary from the confined nature of bodily sensation. 

Principle 7TH
As all men are alike (tho' infinitely various), So all Religions , &, as all similars, have one source. The true Man is the source, he being the Poetic Genius.

by William Blake

terça-feira, 24 de julho de 2012

Las verdaderas revoluciones

Las revoluciones son el final de un proceso de las ideas, no el principio, y es siempre un proceso cultural, nunca político. Cuando interviene la política -o mejor los políticos- no se produce una revolución, sino un golpe de Estado, y el proceso cultural se detiene para dar lugar a un programa político. La cultura entonces se convierte en una rama de la propaganda. Es decir, las ilusiones de la cultura, el sueño de la razón, se transforman en pesadilla.
In Cuerpos Divinos, de Guillermo Cabrera Infante

segunda-feira, 7 de maio de 2012

SÚPLICA A MINHA MÃE

É difícil dizer com palavras de filho
aquilo a que intimamente bem pouco me pareço.

És a única no mundo que sabe o que esteve sempre
no meu coração, antes de qualquer outro amor.

Por isso tenho de dizer-te o que é horrível saber:
é na tua graça que nasce a minha angústia.

És insubstituível. Por isso está condenada
à solidão a vida que me deste.

E eu não quero estar só. Tenho uma fome infinita
de amor, do amor de corpos sem alma.

Porque a alma está em ti, és tu, mas tu
és a minha mãe e o teu amor é a minha servidão:

Vivi a infância como escravo desse sentimento
supremo, irremediável, de um fervor imenso.

Era a única maneira de sentir a vida,
a única cor, a única forma: agora terminou.

Sobrevivemos: e é o caos
de uma vida que renasce fora da razão.

Suplico-te, ah, eu te suplico: não queiras morrer.
Estou aqui, sozinho, contigo, num Abril futuro...

Pier Paolo Pasolini, em tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Miura

Fez um esforço. Embora ardesse numa chama de fúria, tentou refrear os nervos e medir com a calma possível a situação.Estava, pois, encurralado, impedido de dar um passo, à espera de que lhe chegasse a vez! Um ser livre e natural, um toiro nado e criado na lezíria ribatejana, de gaiola como um passarinho, condenado a divertir a multidão!
Irreprimível, uma onda de calor tapou-lhe o entendimento por um segundo. O corpo, inchado de raiva, empurrou as paredes do cubículo, num desespero de Sansão.
Nada. Os muros eram resistentes, à prova de quanta força e quanta justa indignação pudesse haver. Os homens, só assim: ou montados em cavalos velozes e defendidos por arame farpado, ou com sebes de cimento armado entre eles e a razão dos mais…
Palmas e música lá fora. O Malhado dava gozo às senhorias…
Um frémito de revolta arrepiou-lhe o pêlo. Dali a nada, ele. Ele Miura, o rei da campina!
A multidão calou-se. Começou a ouvir-se, sedante, nostálgico, o som grosso e pacífico das chocas.
A planície!…O descampado infinito, loiro de sol e trigo… O ilimitado redil das noites luarentas, com bocas mudas, limpas, a ruminar o tempo… A fornalha escaldante, sedenta, desesperante, que o estrídulo das cegarregas levava ao rubro.
Novamente o silêncio. Depois, ao lado, passes incertos de quem entra vencido e humilhado no primeiro buraco…
Refrescou as ventas com a língua húmida e tentou regressar ao paraíso perdido.
A planície…
Um som fino de corneta.
Estremeceu. Seria agora? Teria chegado, enfim, a sua vez?
Não chegara. Foi a porta da esquerda que se abriu, e o rugido soturno que veio a seguir era do Bronco.
Sem querer, cresceu outra vez quanto pôde para as paredes estreitas do cárcere. Mas a indignação e os músculos deram em pedra fria.
A planície… O bebedoiro da Terra-Velha, fresco, com água limpa a espelhar os olhos…
Assobios.
O Bronco não fazia bem o papel…
Um toque estranho, triste, calou a praça e rarefez o curro.
Rápida e vaga, a sombra do companheiro passou-lhe pela vista turva. Apertou-se-lhe o coração. Que seria?
Palmas, música, gritos.
Um largo espaço assim, com o mundo inteiro a vibrar para além da prisão. Algum tempo depois, novamente o silêncio e novamente as notas lúgubres do clarim.
Todo inteiro a escutar o dobre afinado, abrasado de não sabia que lume, Miura tentava em vão encontrar no instinto confuso o destino do amigo.
Subitamente, abriu-se-lhe sobre o dorso um alçapão, e uma ferroada fina, funda, entrou–lhe na carne viva. Cerrou os dentes, e arqueou-se, num ímpeto.
Desgraçadamente, não podia nada. O senhor homem sabia bem quando e como as fazia. Mas por que razão o espetava daquela maneira?
Três pancadas secas na porta, um rumor de tranca que cede, uma fresta que se alargou, deram-lhe num relance a explicação do enigma da agressão: chegara a sua vez.
Nova picada no lombo.
- Miura! Cornudo!
Dum salto todo muscular, quase de voo, estava na arena.
Pronto !
A tremer como varas verdes, de cólera e de angústia, olhou à volta. Um tapume redondo e, do lado de lá, gente, gente, sem acabar.
Com a pata nervosa escarvou a areia do chão. Um calor de bosta macia correu-lhe pelo rego do servidoiro. Urinou sem querer.
Gritos da multidão.
Que papel ia representar! Que se pedia do seu ódio?
Hesitante, um tipo magro, doirado, entrou no redondel.
Olhou-o a frio. Que força traria no rosto mirrado, nas mãos amarelas, para se atrever assim a transpor a barreira?
A figura franzina avançou.
Admirado, Miura olhava aquela fragilidade de dois pés. Olhava-a sem pestanejar, olímpica e ansiosamente.
Com ar de quem joga a vida, o manequim de lantejoulas caminhava sempre. E, quando Miura o tinha já à distância dum arranco, e ainda sem compreender olhava um tal heroísmo, enfatuadamente, o outro bateu o pé direito no chão e gritou:
-Eh! boi Eh! toiro!
A multidão dava palmas.
-Eh! boi Eh! toiro!
Tinha de ser. Já que desejavam tão ardentemente o fruto da sua fúria, hei-lo.
Mas o homem que visou, que atacou de frente, cheio de lealdade, inesperadamente transfigurou-se na confusão de uma nuvem vermelha, onde o ímpeto das hastes aguçadas se quebrou desiludido.
Cego daquele ludíbrio, tornou a avançar. E foi uma torrente de energia ofendida que se pôs em movimento.
Infelizmente, o fantasma, que aparecia e desaparecia no mesmo instante, escondera-se covardemente de novo por detrás da mancha atordoadora. Os cornos ávidos, angustiados, deram em cor.
Mais palmas ao dançarino.
Parou. Assim nada o poderia salvar. À suprema humilhação de estar ali, juntava-se o escárnio de andar a marrar em sombras. Não. Era preciso ver calmamente. Que a sua raiva atingisse ao menos o alvo.
O espectro doirado lá estava sempre. Pequenino, com ar de troça, olhava-o como se olhasse um brinquedo inofensivo.
Silêncio.
Esperou. O homem ia desafiá-lo certamente outra vez.
Tal e qual. Inteiramente confiado, senhor de si, veio vindo, veio vindo até não poder sair do domínio dos chifres.
Agora !
De novo, porém, a nuvem vermelha apareceu. E de novo Miura gastou nela a explosão da sua dor.
Palmas, gritos.
Desesperado, tornou a escarvar o chão, agora com as patas e com os galhos. O homem!
Mas o inimigo não desistia. Talvez para exaltar a própria vaidade, aparentava dar-lhe mais oportunidades. Lá vinha todo empertigado, a apontar dois pequenos paus coloridos, e a gritar como há pouco:
- Eh! toiro! Eh! boi!
Sem lhe dar tempo, com quanta alma pôde, lançou-se-lhe à figura, disposto a tudo. Não trouxesse ele o pano mágico, e veríamos!
Não trazia. E, por isso, quando se encontraram e o outro lhe pregou no cachaço, fundas, dolorosas, as duas farpas que erguia nas mãos, tinha-lhe o corno direito enterrado na fundura da barriga mole.
Gritos e relâmpagos escarlates de todos os lados.
Passada a bruma que se lhe fez nos olhos relanceou a vista pela plateia. Então?!
Como não recebeu qualquer resposta, desceu solitário à consciência do seu martírio. Lá levavam o moribundo em braços, e lá saltava na arena outro farsante doirado.
Esperou. Se vinha sem a capa enfeitiçada, sem o diabólico farrapo que o cegava e lhe perturbava o entendimento, morria.
Mas o outro estava escudado.
Apesar disso, avançou. Avançou e bateu, como sempre, em algodão.
Voltou à carga.
O corpo fino do toureiro, porém, fugia-lhe por artes infernais.
Protestos da assistência.
Avançou de novo. Os olhos já lhe doíam e a cabeça já lhe andava à roda.
Humilhado, com o sangue a ferver-lhe nas veias, escarvou a areia mais uma vez, urinou e roncou, num sofrimento sem limites. Miura, joguete nas mãos dum Zé-Ninguém!
Num ímpeto, sem dar tempo ao inimigo, caíu sobre ele. Mas quê! Como um gamo, o miserável saltava a vedação.
Desesperado, espetou os chifres na tábua dura, em direcção à barriga do fugitivo, que arquejava ainda do outro lado. Sangue e suor corriam-lhe pelo lombo abaixo.
Ouviu uma voz que o chamava. Quem seria? Voltou-se. Mas era um novo palhaço, que trazia também a nuvem, agora pequena e triangular.
Mesmo assim, quase sem tino e a saber que era em vão que avançava, avançou.
Deu, como sempre na miragem enganadora.
Renovou a investida. Iludido, outra vez.
Parou. Mas não acabaria aquele martírio? Não haveria remédio para semelhante mortificação?
Num último esforço, avançou quatro vezes. Nada. Apenas palmas ao actor.
Quando? Quando chegaria o fim de semelhante tormento?
Subitamente, o adversário estendeu-lhe diante dos olhos congestionados o brilho frio dum estoque.
Quê?! Pois poderia morrer ali, no próprio sítio da sua humilhação?! Os homens tinham dessas generosidades?!
Calada, a lâmina oferecia-se inteira.
Calmamente, num domínio perfeito de si, Miura fitou-a bem. Depois, numa arremetida que parecia ainda de luta e era de submissão, entregou o pescoço vencido ao alívio daquele gume.

In Os Bichos, de Miguel Torga

quarta-feira, 25 de abril de 2012

"Quis saber quem sou..."

Hoje, no dia da Liberdade em Portugal, quero relembrar os ideais de Abril, utópicos e necessários para uma convivência sã e humana entre os povos.
A imagem ilustra a saída dos presos políticos da prisão de Caxias, um lugar de horror, tortura, opressão, silêncio, mas também de resistência e esperança. Para que não se "semeie a miséria e a ignorância", mas a bonança e a consciência em cada um de nós.

domingo, 22 de abril de 2012

Na barriga da baleia

Ontem à noite revi este filme profundamente criativo, belo, simples, cheio de fotografias que marcaram uma época e várias vidas. São olhares interseptados, que nos premitem recriar conceitos, como a casa de fitas de filmes, os espelhos na praia, a barriga da baleia, o retrato de estranhos à entrada de casa... o artista é aquele ser que relaciona tudo, principalmente o que à partida não é relacionável, nem se toca. É o que estabelece metáforas com tudo e cada coisa, o que tem a liberdade imensa dentro de si, o espírito de preserverança, a atenção ao detalhe e ao todo, mostrando-nos novas visões. Agnés Varda leva-nos pelo braço e vai-se detendo... uma história aqui, uma ideia ali, um sentimento agora, uma evocação depois... é inspiradora!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Flores pela manhã

Mais do que lembrar
nas flores o cheiro do passado,
eu queria ouvir
a voz deste rouxinol
e saber do seu perfume.
(...)

Mais perfumadas,
só porque alguém as olhou
e as foi colher,
assim são aquelas flores -
tão belas e passageiras.

Isumi Shikibu (974? - 1034?)
Foto: I Woke up Dreaming

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Uma feliz descoberta: a poesia de Paulo Pais

IDANHA-A-VELHA

Após todos os vultos as mulheres
ficam sempre arrumando tudo
limpam o pó dos homens
abrem-lhes o caminho de volta
dão destino às coisas
encarreiram a vida

sentam-se rente aos sulcos da terra
prenhes de segredos
regam a paciência com o esperma que lhes cabe
aprendem com os gatos a desprezar em silêncio

velhas cúmplices da vida
tudo aprenderam para lá dos mortos


(de Notas de Campo)

III

Os anjos preocupam-se com a desordem do mundo
pressentem os fungos nos ossos dos que se deitam com frio
a densidade salina das lágrimas
o volume do medo das bestas na hora do abate

por vezes definem com astúcia a tensão do sangue
seguram a mão na pressão exacta controlam a voz com
aptidão exemplar


pai, gosto muito de ti
e a infância escorre pelo rosto da memória
entretidos os homens com os recados da inocência


(de Figuras de Apego)

Pôde ver por momentos na goela da terra o que
a terra faz nas entranhas
viu lá onde tudo se passa o nítido seio da terra
o grande silo do sangue
os rostos lésmicos dos mortos
o rasto factual da morte

esperou que algo de surpreendente acontecesse
talvez um verme gigante numa pápula vegetal
talvez um anjo finalmente vingador
uma luz

súbito a mão de deus cobriu-lhe os olhos ou era
o vidro limpo da rotina dos dias?

uma buzina lembrou-lhe que o mandavam avançar


(de Gravador de Chamadas)

Belo até às lágrimas



"Dancem, dancem... senão estamos perdidos." - Pina Bausch