segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os milagres do quotidiano

Chega uma altura na vida de toda a gente em que se medita no significado da palavra coincidência. Se enfrentarmos a questão corajosamente, uma vez que é algo perturbador, somo forçados a admitir que a casualidade não é resposta. Se usarmos a palavra predestinação, sentimo-nos derrotados. E com razão. É só porque o homem nasce livre que estas conjugações misteriosas de tempo, lugar e evento podem acontecer. Nos horóscopos dos homens e das mulheres marcados pelo destino observamos que meros incidentes tornam-se acontecimentos profundamente significativos. Talvez por estes indivíduos conseguirem aperceber-se mais do seu potencial do que os comuns mortais, a correlação entre interior e exterior, micro e macro, é impressionante e clara como a água.
Ao debatermo-nos com o mistério do acaso, talvez sejamos incapazes de encontrar uma explicação adequada,  mas é inegável que nos apercebemos das leis que estão para além do entendimento humano. Quanto mais conscientes nos tornamos, mais entendemos haver uma relação entre a vida correta e a boa sorte. Se aprofundarmos a questão o suficiente, apercebemo-nos que a sorte não é boa nem má, que o que interessa é a forma que lidamos com a (boa ou má) sorte. Costuma dizer-se que "contra má sorte, coração forte". Está implícito neste adágio que não somos igualmente favorecidos ou desfavorecidos pelos deuses.
(...)
Todos os dias somos confrontados com provas das interligações vastas e extremamente complexas entre os acontecimentos que comandam as nossas vidas e as forças que regem o universo. O medo que sentimos de questionarmos e seguirmos os lampejos de compreensão que estas provas criam, deve-se ao facto de podermos vir a saber o que nos acontecerá. A única coisa que temos a certeza desde que nascemos é de que morremos. Mas até isso nos é difícil aceitar, apesar de ser garantido.

in O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch, de Henry Miller

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