sexta-feira, 16 de agosto de 2013

...de viagens



Já não viajo só há três anos. Antes, viajei com amigos, amores, mas sobretudo comigo. Comecei em Florença - atravessei algum continente americano - e acabei em Amesterdão. A um dia de partida para mais uma viagem,  encontro este poema resgatado desses tempos:

Papiermolensluis
– Sapatos Novos-

 









Amsterdam. Anne Frank.
Sofás do hotel do António(?)
Sex    sex       sex   every where    and       body.
Um sótão de profundo amor – esperança.
Onde estará o amor?
Nas montras.
No passageiro de olhos negros.
Ao meu lado, no comboio.
Cannabis – cogumelos – Cannabis.
O trio de alegria pela manhã.
Tulips.
Fun canal cruise.
Rent a bike!
Kundst.        xxx
Desespero em mijo antigo.
Skol    skol    skol    skol...
I drink milk, please.
Yo quiero amarte.
Yo no busco a nadie.
Amo em flamengo.
Só existem os momentos.
Calço os sapatos novos.

Virgínia Silva
Amsterdam, 7 de Maio 2006

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Dar à luz

Uma pessoa tem de acreditar plenamente no que está a fazer, compreender que é o melhor que pode fazer naquele momento - esquecer a perfeição agora e sempre! - e aceitar as consequências que advêm de dar à luz. Somos sempre o nosso melhor crítico. Progresso (uma palavra má), realização (o papão de Cézanne), mestria (o objectivo do conhecedor), estas coisas alcançam-se, como todos sabem, graças a um esforço contínuo, graças ao trabalho e à luta, graças à reflexão, meditação, auto-análise e, acima de tudo, sendo escrupulosos e implacavelmente honestos connosco mesmos. A quem reclama que não é compreendido, apreciado, aceite - quantos de nós verdadeiramente o somos? - a única coisa que tenho a dizer é o seguinte: Clarifique a sua posição!
(...)
Serve a vida e serás sustido.
(...)
A arte é um processo curativo, como salientou Nietzsche. Mas principalmente para quem a ela se dedica. As pessoas escrevem para se conhecerem e, desta forma, virem talvez a libertar-se do eu. É este o propósito divino da arte.


Hoje li a última página do livro O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch e sei - tenho a certeza - que a minha cura são os livros. Os livros não me transportam apenas para lugares físicos que quero encontrar, a personagens com as quais vivo paixões de papel intensas, como também me levam às intimidades que procuro conhecer. Livros que contêm palavras como estas de Henry Miller, livros que me salvaram de escuridões em mim mesma e fizeram com que eu visse a luz.

Foto: I woke up dreaming


segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os milagres do quotidiano

Chega uma altura na vida de toda a gente em que se medita no significado da palavra coincidência. Se enfrentarmos a questão corajosamente, uma vez que é algo perturbador, somo forçados a admitir que a casualidade não é resposta. Se usarmos a palavra predestinação, sentimo-nos derrotados. E com razão. É só porque o homem nasce livre que estas conjugações misteriosas de tempo, lugar e evento podem acontecer. Nos horóscopos dos homens e das mulheres marcados pelo destino observamos que meros incidentes tornam-se acontecimentos profundamente significativos. Talvez por estes indivíduos conseguirem aperceber-se mais do seu potencial do que os comuns mortais, a correlação entre interior e exterior, micro e macro, é impressionante e clara como a água.
Ao debatermo-nos com o mistério do acaso, talvez sejamos incapazes de encontrar uma explicação adequada,  mas é inegável que nos apercebemos das leis que estão para além do entendimento humano. Quanto mais conscientes nos tornamos, mais entendemos haver uma relação entre a vida correta e a boa sorte. Se aprofundarmos a questão o suficiente, apercebemo-nos que a sorte não é boa nem má, que o que interessa é a forma que lidamos com a (boa ou má) sorte. Costuma dizer-se que "contra má sorte, coração forte". Está implícito neste adágio que não somos igualmente favorecidos ou desfavorecidos pelos deuses.
(...)
Todos os dias somos confrontados com provas das interligações vastas e extremamente complexas entre os acontecimentos que comandam as nossas vidas e as forças que regem o universo. O medo que sentimos de questionarmos e seguirmos os lampejos de compreensão que estas provas criam, deve-se ao facto de podermos vir a saber o que nos acontecerá. A única coisa que temos a certeza desde que nascemos é de que morremos. Mas até isso nos é difícil aceitar, apesar de ser garantido.

in O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch, de Henry Miller

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Deixa-te estar sentado e vê o mundo a passar

A primeira coisa que reparamos quando começamos a examinar algo tão misterioso como a sorte é o facto (e é um facto estupendo) de não haver nem principio nem fim. Tudo está interligado e é uno. Quando juntamos as peças, como num quebra-cabeças, o bom e o mau parecem igualmente o papel da sorte. As ninharias, em particular, assumem uma importância completamente desproporcionada às suas dimensões e peso. Tudo se acerta e num grau que anula as presunções vãs do ego. (... ) Se li as estrelas, não foi para descobrir o que aconteceria amanhã, mas para confirmar o que estava a acontecer agora mesmo.
Deixa-te estar sentado e vê o mundo a passar!
Sim, mas como um equilibrista numa corda, não como uma lesma.

in O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch, de Henry Miller

De manhã tive estas palavras inspiradoras como companhia, transformando os meus vinte minutos no metro para a Maia, numa viagem anunciada de cristalizações intemporais.