sexta-feira, 30 de abril de 2010

O arco-íris da infância

As crianças, no seu infinito "faz de conta" recusam o sonho partido ao meio a meia água os lugares sombrios da vida. São mais da água e não precisam de perpetuar o tempo em mausoléus ou pirâmides. Olham nos olhos a esfinge e aprendem o medo no voo do milhafre. Das palavras dos adultos retiram apenas as conchas separadas perdidas pela praia. Crescem pelos cantos e choram a mudança. gostam do sonho mesmo que este lhes rebente nas mãos.

De Ana Paula para Ondjaki

quinta-feira, 29 de abril de 2010

No dia da dança...

Os meus pés conhecem a verdade que o meu coração sente quando os meus ouvidos sorriem. A música é o milagre que os comunistas já autorizaram de acontecer, ahahah. A bailar, compañeros!

voz de EspumaDoMar in AvóDezanove e o Segredo do Soviético, Ondjaki

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Flores para ti

"Todos os adultos foram um dia crianças, embora poucos se lembrem disso."

A. Saint Exupéry

As minhas mais doces lembranças de infância estão ligadas a ti. Tu ensinaste-me a escovar os dentes, a escrever o meu nome, a achar-me linda, a estrelar um ovo... tu ninaste-me com a tua canção sempre igual, sempre terna, inventada só para mim. Contigo as viagens de comboio estão secretamente guardadas, ao lado das borboletas e dos campos sem fim. Por ti a sabedoria dos contos e as histórias aos quadradinhos povoaram cada momento dessa época mágica.
Passou a data triste em que tu me foste roubado de madrugada. Tal como há 19 anos, o dia amanheceu com sol, enquanto o meu coração em sangue se esvaía com o teu, na escuridão.
Felizmente, o tempo e os anjos na minha vida trouxeram-me de volta a minha criança, aquela que tu ajudaste a ser. Graças ao teu colo sempre em ninho e ao teu imenso silêncio sorridente - mais forte e reparador do que as mais belas palavras - estou aqui. Flores para ti, pai.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Exercício para adormecer

Sinto vontade de ver o meu pescoço
cresCER
crescer e aLONGAr-se em posições elegantes.
Sinto o meu cheiro de fêmea
adocicado
e quero que ele se espanda sobre as
vastas regiões do meu mundo
e do mundo dos outros.

Quando deito a cabeça para trás
o meu corpo forte e gasto
por terNUras nocturnas
sente-se proFUNDAmente bem
e em paz.

Sinto vontade.
Não desejo.
O desejo é inimigo do espírito
que quer aLONGAr o pescoço.
Porque não é bom variar pouco?
As zebras e as girafas não (a)variam
nas savanas.

Que bom é fechar os olhos
encostar a cabeça no nada
e ouvir o silêncio...

Silêncio que amo tanto
quanto a música ou o riso

Silêncio que escorre sobre
os meus ombros
-agora-
se apodera de mim
e vai levar-me para o leito.

Virgínia Silva