terça-feira, 2 de junho de 2009

Viagem de carrossel

Depois vai o Sem Pernas. Vai calado, uma estranha comoção o possui. Vai como um crente para uma missa, um amante para o seio da mulher amada, um suicida para a morte. Vai pálido e coxeia. Monta um cavalo azul que tem estrelas pintadas no lombo de madeira. Os lábios estão apertados, seus ouvidos não ouvem a música da pianola. Só vê as luzes que giram com ele e prende em si a certeza de que está num carrossel, girando num cavalo como todos aqueles meninos que têm pai e mãe, e uma casa e quem os beije e quem os ame. Pensa que é um deles e fecha os olhos para guardar melhor esta certeza. Já não vê os soldados que o surraram, o homem de colete que ria. Volta Seca os matou na sua corrida. O Sem Pernas vai teso no seu cavalo. É como se corresse sobre o mar para as estrelas, na mais maravilhosa viagem do mundo. Uma viagem como o Professor nunca leu nem inventou. Seu coração bate tanto, tanto , que ele o aperta com a mão.

Jorje Amado, in Capitães da Areia

A cada página o meu coração também bate cada vez com mais ternura e indignação. Um dia após se ter celebrado o dia da Criança, que é a cada momento esquecido, o meu desejo imenso é que todos os Capitães da Areia, que se estendem desoladamente por este mundo, possam viajar para sempre num carrossel como este. E nele iluminar a sua noite escura...

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