segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Il Polverone

São histórias para uma noite de calmaria. Seleccionei estas três, no meio de muitas mais - tão lindas e tão frágeis - que fizeram com que as minhas noites se prolongassem até aos dias:


A FOTOGRAFIA

Uma tarde, no comboio, um homem, de pé, sentiu uma mão tocar-lhe e reparou que um jovem soldado lhe oferecia o seu lugar, como se faz com os velhos. Aceitou, cheio de vergonha, por ser a primeira vez que lhe sucedia e, de olhos perdidos naquela noite que se escapava pelas janelas, de repente, sentiu-se desolado pela sua idade. Depois fechou-se em casa e a sua tristeza trespassava os muros, circulando pelas estradas. Era manhã, quando a carta chegou de uma cidade distante. Abre-a e encontra a fotografia de uma senhora anciã, completamente nua. Nenhum comentário ou assinatura. Mete os óculos para procurar nas velhas feições da mulher se, por acaso, a conhecia. Descobriu que se tratava do único grande amor da sua vida. E, conhecendo a grandeza da sua alma, de imediato percebeu a intenção da mensagem: a mulher, sabendo que ele vivia triste, não se envergonhava de lhe mostrar o próprio corpo, para o fazer perceber que não devia angustiar-se e que os sentimentos são mais fortes do que a carne.


A ESPERA

Estava tão apaixonado que se fechou em casa, sentado junto à porta, para poder abraçá-la assim que ela batesse para lhe vir confessar que também o amava. Mas ela não veio e ele envelheceu. Um dia alguém tocou, levemente à porta e ele, apavorado, fugiu, escondendo-se atrás do armário.


JUNTO AO FOGO


Decidiu abandonar as mulheres e, por longo tempo, de facto, viveu só. Passeava, olhava as árvores e frequentava o café sem voltar o rosto para qualquer mulher bela.
Mas um dia, uma jovem colocou-se a seu lado e disse-lhe que o amava. Durante muitos dias o homem recusou-a, até que a mulher deixou de vir ao café, desaparecendo sabe-se lá para onde.
Só agora, aquele tal, foi sacudido por tão grande amor que percorreu, a pé, toda a cidade até que parou a conversar com uma daquelas mulheres que vive junto às fogueiras, na periferia. E nem reparou que era a mesma rapariga que o amava.

in Il Polverone - Storie per una notte quieta, Tonino Guerra

2 comentários:

Rosário ;-) disse...

Junto ao fogo:

Porque é que a mulher que ama o homem, tem que ser sempre jovem??

Rosário

Virgínia disse...

Não sei... pode ser que seja apenas jovem de espírito... a outra mulher do retrato também ama o homem e é velha... e o homem ama-a. No amor estas questões não são assim tão importantes. Talvez no dia a dia. Mas é só porque nos deixamos limitar.