terça-feira, 4 de novembro de 2008

A noite não é igual para todos

Semi-deitada nesta cama que não é minha, envolvida pela voz de Tori Amos, a voz quente e nostálgica desta mulher do sul, tento escrever alguma coisa sobre nada ou sobre tudo.
Sem pudores, pois já quase ninguém que conheço lê este blog, posso escrever sobre tudo.
Tenho as costas partidas de tanto entusiasmo na dança africana. De tanto expressar o indizível, de tanto abanar a anca apelando à magia do universo que está um pouco parada pelos meus lados.
Sinto que a noite não é igual para todos, que os lugares comuns já não me maçam, às vezes são mesmo necessários para nos sentirmos parte de algo.
Antes de acordar quase sem movimentos, antes de ter de ir nas quatro patas ancestrais à casa de banho de noite, vi um médico na televisão a falar sobre a morte. Foi no Domingo, dia dos mortos, dia daqueles que partiram para outra dimensão. Esse médico dizia que cada cadáver que abria era um acto sagrado, de imenso respeito por esse corpo que horas antes havia vivido tal como qualquer um de nós. Isto emocionou-me tremendamente e desejei que tivesse sido alguém com esse sentimento que tivesse realizado esse acto sagrado no corpo amado do meu pai. A morte traz-me sempre à memória a experiência mais profunda da minha vida. A ausência do meu pai, um homem que sonhou demasiado e, de facto, realizou muito pouco. Um homem feito de ternura e de fragilidade, de revolta e indignação. De um ateu profundamente religioso e humano. De cartas de receber e de perder. De filmes italianos e de canções dos anos 60. De lágrimas por Nelson Mandela e por Rosa Mota. De livros sobre o Holocauto. Do "Crime do Padre Amaro" lido com a capa d'"Os Lusíadas". E de muitas histórias de encantar e de escurecer que iluminaram a minha infância e determinaram a minha vida.
Esse médico disse também que vivemos num mundo de perpétua novidade e absorção. Que está mais interessado em rever, reler, voltar a lugares. Que a ânsia da novidade nos está a deixar infelizes. Talvez ele tenha razão - disse para mim.
E agora é melhor parar, ou amanhã não me levanto com dores nas costas. Porque há dores que ainda não se curam com Reumon gel.

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