sexta-feira, 5 de setembro de 2008

"Aqui ninguém me põe a pata em cima"

Ouvi-o algumas noites no Pinguim. Vi-o raras vezes.
Uma única vez comi ao lado dele e troquei com ele algumas palavras. Foi em Abril, na festa dedicada à comemoração do 25 de Abril. Tinha ouvido já várias histórias sobre o seu carácter impulsivo e, por vezes, rude. Naquela noite, porém, um homem calado, apagado, doce na sua fragilidade, estava a comer silencioso ao meu lado. Parecia um homem tímido até. A nossa fragilidade sobressai no início da nossa vida ou no fim dela.
Quando o ouvi a declamar o poema Soneto Presente de Ary dos Santos, fiquei surpreendida. Era como se uma chama que pensávamos extinta se elevasse das cinzas. Causou-me uma forte impressão. Naquela noite tinha sentido a morte a rodear aquele homem ao jantar e, naquele momento, senti o quanto a vida dentro dele dizia NÃO a essa inevitabilidade.
Como o disse, não éramos amigos, mas poesia que tinha dentro de si tocou-me naquele momento.
Apesar de tudo, ele tem um ponto a seu favor - os poetas são eternos, deixam sempre as suas palavras escritas:

e há o fim
só os valores
que esperam
aprendem a
saber esperar
pelos outros
as pérolas sós
amam no fim
partem para
outro fim
chegam ao meio
com dignidade
os homens são
apenas a passagem
do vácuo ao cheiro
o único princípio
o último atalho
o primeiro refúgio
o nosso amor
sublimado

de Joaquim Castro Caldas

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